Rafael Garcia
15/10/2021
SÃO PAULO — O Brasil tem condições de reduzir suas emissões de gases do efeito estufa em 82% até 2030 se adotar uma meta com quase o dobro da ambição da proposta oficial do governo, indica um relatório publicado nesta sexta-feira por um grupo independente formado por mais de 250 especialistas e 100 lideranças políticas. Essa porcentagem (calculada em relação à produção de CO2 em 2005, ano-base) contrasta com os atuais 43% prometidos pelo país desde que o Acordo de Paris foi assinado, há seis anos.
O relatório “Clima e Desenvolvimento: Visões para o Brasil 2030” indica que, considerando o período 2005-2030, é possível cortar as emissões anuais do país de 2,8 bilhões de toneladas de CO2 para 0,5 bilhão. Para chegar a esse número, os cientistas se basearam em simulações matemáticas do desempenho da economia no período, um trabalho coordenado pela Coppe (Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da UFRJ) e pelo Instituto Talanoa. O trabalho foi financiado pelo Instituto Clima e Sociedade.
O que os pesquisadores fizeram, essencialmente, foi propor uma nova NDC (contribuição nacionalmente determinada), nome do documento oficial que todos os governos têm de produzir indicando quanto pretendem cortar de emissões para honrar o Acordo de Paris.
Segundo o economista e engenheiro Emilio La Rovere, da Coppe, há dois pilares centrais do plano apresentado. Um deles é zerar o desmatamento até o fim da década, de preferência antes. Outro aspecto é onerar financeiramente a emissão de CO2. O pesquisador, que coordenou o projeto, afirma que essas duas medidas trariam ganhos ao sistema econômico do país como um todo e ajudariam a inseri-lo em uma economia global mais verde, como se espera no futuro.
— O primeiro elemento consiste em uma radical redução anual do desmatamento, através de instrumentos de controle e fiscalização, fazendo respeitar as leis na Amazônia e outros biomas, aplicando o código florestal, o cadastro ambiental rural, os planos de recuperação ambiental, plantando vegetação nativa para acabar com o passivo — explica La Rovere. — O outro componente importante é precificar o carbono, ou seja, penalizar o uso de combustíveis fosseis que causam as emissões do CO2, o principal gás de efeito estufa.
As metas de corte propostas pelos pesquisadores estão de acordo com o objetivo de mais longo prazo, mirando o ano de 2050, de zerar as emissões “líquidas” de carbono do Brasil, ou seja, que remoções de CO2 (principalmente pelo crescimento de florestas) compensem as emissões. Em dois cenários propostos, o país ficaria até com emissões “negativas” no meio do século. Chart
Para assegurar que a NDC proposta pelos pesquisadores traria benefícios, e não danos, à economia, os modelos usados foram adequados para se encaixarem dentro de um cenário de crescimento econômico razoável. Mesmo a oneração do carbono ocorreria dentro de um cenário favorável.
— Essa precificação se daria através do estabelecimento de um mercado de carbono, um mercado de cotas comercializáveis de emissões. O setor industrial já expressou sua preferência de que a regulação seja feita dessa forma. Nos outros setores, como transporte e geração de energia elétrica, comércio e serviços, haveria uma taxa como a Cide, um imposto que já incide sobre combustíveis, mas para a emissão de carbono. Essa Cide-carbono provocaria um aumento de alguns centavos no preço do litro de gasolina, do diesel, do carvão e do gás.
Além de desenhar um cenário com 82% de emissão em 2030, o grupo liderado pela Coppe e pelo Talanoa simulou uma outra situação, sem redução tão radical do desmate. Nessa outra proposta, o Brasil atingiria 66% de redução de emissões, uma marca também mais ambiciosa que os atuais 43% prometidos. Segundo os pesquisadores, com a “intensidade de carbono” atual (a quantidade de CO2 emitida por dólar do PIB), o país não conseguiria nem cumprir a atual promessa.
Governo sob pressão
A publicação do novo relatório, lançada nesta manhã em evento online, coloca mais pressão sobre o governo, que tem sido pressionado a rever a atual NDC do Brasil. Além de congelar a ambição de cortes desde aquela proposta na assinatura do Acordo de Paris, em 2015, no ano passado o país modificou sua metodologia de cálculo de cortes e usou novos números para reduzir a ambição, em vez de aumentar, manobra apelidada pelos ambientalistas de “pedalada climática”.
Outro problema da atual NDC é que ela não veio acompanhada de um anexo que detalhe quando o país pretende zerar o desmatamento nem como pretende reduzir o restante de suas emissões. Um anexo estava presente na NDC original do país, mas foi retirado.
Entre os especialistas consultados para elaboração da nova NDC esteve a ex-ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira, chefe da delegação brasileira que ajudou a costurar o Acordo de Paris na época.
— O Brasil se apequenou. Hoje o Brasil é menor que o Brasil, e e é isso que a sociedade civil está mostrando ao produzir uma proposta de NDC como esta — afirmou. — Com esse trabalho, a sociedade civil brasileira mostra uma competência que o governo brasileiro não tem. Esse trabalho é de uma robustez inequívoca, um documento técnico extremamente bem produzido e muito bem construído politicamente, porque ouviu muita gente.